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É possível amar seu filho e não amar ser mãe

A maternidade é tratada como dádiva divina e isso é notável desde o momento em que uma mulher anuncia sua gravidez.  A forma como esta é tratada muda drasticamente por todos a sua volta e é como se uma auréola angelical surgisse. A imagem do que é ser mãe ainda é dotada de uma série de estereótipos que surgem a partir desse endeusamento e romantização da maternidade: toda mulher deve ser uma boa mãe, abdicar de toda sua história de vida e amar a maternidade.

“O mito do amor materno”

Apesar da condição de amar o próprio filho de forma incondicional ser tratada como uma condição inerente à natureza feminina a história nos mostra o contrário. A ideia que temos hoje em dia sobre o amor materno é bastante recente.

Há alguns séculos atrás, as crianças eram “invisíveis” sendo muito comum a recusa pela amamentação pelas mães biológicas e falta de afeição por parte dos pais, não sendo incomum encontrar a palavra “estorvo” (alguém que só traz problemas) como descrição feita pelas famílias. As crianças permaneciam com a família biológica até os 7 anos de idade e após esse período eram encaminhadas a outras casas com o objetivo de se tornarem aprendizes, pensionistas ou criados. 

Foi somente a partir do século XV que pais e filhos passaram a ter maior convívio e que as mulheres passaram a ocupar um papel diferente diante da maternidade e do cuidado com os filhos. Amar os filhos é uma construção social e cultural que foi produzida ao longo do tempo e por conta de necessidades específicas. 

A romantização da maternidade e impacto na saúde mental feminina

Ser mãe traz uma série de mudanças drásticas em todas as esferas da vida. Após o nascimento do filho, o endeusamento desaparece e dá lugar a exigências e julgamentos a respeito do comportamento da mulher. Apesar dessa mudança, se espera que a maternagem seja um mar de rosas e o melhor momento da vida feminina sendo o apogeu de sua existência. 

Ainda vivemos em uma sociedade em que a criação dos filhos é atribuída majoritariamente às mulheres e isso é perceptível a partir das próprias leis trabalhistas. As mães têm o direito de ficarem em casa por 120 dias com intuito de dedicar-se ao cuidado do recém nascido, enquanto o pai recebe o direito de ficar 5 dias em casa. O cuidado dos filhos acaba se tornando uma tarefa solitária na grande maioria das vezes.

Cuidar do filho, cuidar da casa, cuidar das responsabilidades como um todo. Em que momento entra o cuidado consigo mesma? É comum ouvir no discurso de mães que não existe mais tempo para si mesma, nem mesmo para atividades básicas como as de higiene. Há uma completa anulação da mulher e todos os outros papéis que ela ocupa. Sua identidade e subjetividade passam a ser apenas a de mãe.

O desgaste mental, emocional e os sentimentos de culpa por ter vontade de dizer “eu odeio ser mãe, mas amo meu filho” mas não poder por conta dos estereótipos de mãe perfeita são fatores que podem levar ao adoecimento mental. As mulheres vêm transformando a sua maneira de estar no mundo, no entanto, ainda é difícil romper com a rígida divisão dos papéis sexuais e com a ideia de maternidade como momento de esplendor e que deve ser vivenciado silenciando os aspectos negativos.

Enxergar os fatos como eles são: a maternidade não é um mar de rosas

É importante que se rompa a romantização do ser mãe e que se passe a olhar a realidade como ela é: estar nesse papel não é fácil, nem sempre é agradável e traz uma série de mudanças que são difíceis de processar. Além disso, como já comentado, acaba sendo uma tarefa solitária uma vez que ainda é normalizado o fato do pai ter pouca ou nenhuma participação nesse processo.

Olhar a totalidade da situação faz com que se possa pensar em intervenções que tenham como objetivo mudar a relação que a mulher estabelece consigo mesma e com os outros a sua volta, assim como a relação que os outros estabelecem com ela. Além disso, permite que as mulheres não tenham sua individualidade negada e que possam expressar seu sofrimento sem o risco de sofrerem retaliação e julgamentos. 

Amar os filhos e não amar ser mãe não é ser contraditório, mas sim realista. Perceber isso é ter empatia por esse momento que traz não apenas felicidade, mas frustrações e cansaço. 




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